domingo, 20 de junho de 2010

O homem novo conhece o olhar novo



“O olhar é muito mais do que função fisiológica, É uma linguagem forte. É um universo carregado de sentido. É condensação do mistério do homem. Relata o destino de muita gente. Provoca alterações decisivas na vida. Mesmo o olhar indiferente suscita reações contraditórias. O olhar é, em grande parte, a morada do homem. O universo do olhar é vasto e misterioso. Olhar habitação que acolhe o próximo que passava desabrigado. Olhar rejeição que distancia o gesto de diálogo. Olhar atração que cativa e envolve o semelhante. Olhar envenenado que espalha ameaça.
            Olhar inocente que semeia simplicidade pela face da terra. Olhar malicioso que planta a semente da maldade no corpo dos homens. Olhar indiscreto que revela as intimidades humanas. Olhar sigiloso que arquiva quadros dolorosos e cenas humilhantes. Olhar atento que não desperdiça o menor sinal de boa vontade. Olhar displicente que esquece a presença do outro. Olhar compreensivo que apaga os rastos dos erros. Olhar intolerante que espreita o deslize da fraqueza. Olhar generoso de Cristo que abraça toda Jerusalém. Olhar mesquinho do fariseu que cata e filtra migalhas.
            Olhar de Cristo que recupera Pedro hesitante. Olhar encolerizado que fulmina o parceiro. Olhar apelo que suplica compaixão e ajuda. Olhar intransigência que cobra a última gota de sofrimento. ‘Olhar amor que unifica os que se querem. Olhar ódio que esfaqueia os que se detestam. Olhar história que vive a evolução das construções, o fluxo das gerações, o movimento dos estilos. Olhar documentação que registra as clareiras dos horizontes, a floração dos campos, o sangue dos acidentes, o desesperado precipitando-se do edifício, o último aceno de quem está se afogando.
            Olhar de ansiedade que fica na estrada acompanhando aquele que parte. Olhar de esperança que não sai da estrada, aguardando a volta do filho pródigo. Olhar do recém-nascido que anuncia a chegada de uma existência. Olhar do agonizante que procura perpetuar sua presença entre os que ficam. Olhar evangélico que anuncia o reino de Deus. Olhar céptico que recusa os sinais da esperança.
            Olhar consciente que ativa a reflexão humana. Olhar coisificado que manipula os homens como objetos. Olhar libertador que retira o irmão do cativeiro moral. Olhar argentário que industrializa até os sentimentos humanos. Olhar decidido que busca a realização pessoal. Olhar evasivo que evita o encontro com a realidade. Olhar pacifico que reconcilia as vidas separadas. Olhar reticente que fragmenta a confiança. Olhar de perdão que põe de pé a quem estava caído. O olhar é também linguagem de Deus.

Do livro “ESTRADEIRO” de Juvenal Arduini - Edições Paulinas.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Jesus manso e humilde de coração, dai-me um coração semelhante ao vosso!



Evangelho de Jesus Cristo segundo São Lucas 15,3-7
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo São Lucas:

Naquele tempo: 3Jesus contou aos escribas e fariseus esta parábola: 4'Se um de vós tem cem ovelhas e perde uma, não deixa as noventa e nove no deserto, e vai atrás daquela que se perdeu, até encontrá-la? 5Quando a encontra, coloca-a nos ombros com alegria, 6e, chegando a casa, reúne os amigos e vizinhos, e diz: 'Alegrai-vos comigo! Encontrei a minha ovelha que estava perdida!' 7Eu vos digo: Assim haverá no céu mais alegria por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão.

- Palavra da Salvação.
- Glória a Vós, Senhor

Comentário ao Evangelho do dia feito por Bem-aventurado João XXIII (1881-1963), Papa
Diário da Alma, 1901-1903

«Alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida.»

Sinto que o meu Jesus Se vai aproximando cada vez mais de mim. Permitiu que, nestes dias, eu caísse ao mar, me afundasse na consideração das minhas misérias, da minha soberba, para me fazer compreender mais a imperiosa necessidade que tenho Dele. Quando estava prestes a afundar-me, Jesus, caminhando sobre as águas, veio sorridente ao meu encontro para me salvar. Eu queria dizer-Lhe, como Pedro: «Afasta-Te de mim, que sou um homem pecador» (Lc 5, 8); mas a ternura do Seu coração, a suavidade do Seu tom de voz, advertiu-me: «Não tenhas medo» (Lc 5, 10).

Nada temo, ao Vosso lado. Descanso no Vosso peito; como a ovelha perdida, escuto os latejos do Vosso coração; Jesus, sou Vosso, uma vez mais, sempre Vosso. Contigo sou verdadeiramente grande; débil talo de junco sem Ti, sou uma coluna apoiado em Ti. Não me hei-de esquecer nunca da minha miséria, para recear sempre de mim mesmo; mas, embora humilhado e confuso, devo, com confiança crescente, abraçar-me ao Vosso coração, porque a minha miséria é o trono da Vossa misericórdia e do Vosso amor.

Jesus manso e humilde de coração, fazei o meu coração semelhante ao vosso!

Sagrado coração de Jesus, eu confio em vós!

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Corpus Christi, reviver o mistério de Cristo





Homilia do Papa Bento XVI - Festa de Corpus Christi

Na festa de Corpus Christi, a Igreja revive o mistério da Quinta-Feira Santa à luz da Ressurreição. Também a Quinta-Feira Santa conhece uma sua procissão eucarística, com a qual a Igreja repete o êxodo de Jesus do Cenáculo para o monte das Oliveiras. Em Israel, celebrava-se a noite de Páscoa em casa, na intimidade da família. Fazia-se assim memória da primeira Páscoa, no Egito da noite em que o sangue do cordeiro pascal, aspergido na arquitrave e nos portais das casas, protegia contra o exterminador. Jesus, naquela noite, sai e entrega-se ao traidor, ao exterminador e, precisamente assim, vence a noite, vence as trevas do mal. Só desta forma, o dom da Eucaristia, instituída no Cenáculo, encontra o seu cumprimento: Jesus entrega realmente o seu corpo e o seu sangue. Atravessando o limiar da morte, torna-se pão vivo, verdadeiro maná, alimento inexaurível para todos os séculos.A carne torna-se pão de vida.
Na procissão da Quinta-Feira Santa, a Igreja acompanha Jesus ao monte das Oliveiras: a Igreja orante sente um desejo profundo de vigiar com Jesus, de não o deixar sozinho na noite do mundo, na noite da traição, na noite da indiferença de muitos.

Na festa de Corpus Christi, retomamos esta procissão, mas na alegria da Ressurreição. O Senhor ressuscitou e precedeu-nos. Nas narrações da Ressurreição há uma característica comum e fundamental; os anjos dizem: o Senhor "vai à vossa frente para a Galileia. Lá o vereis" (Mt 28, 7). Considerando isto mais de perto, podemos dizer que este "preceder" de Jesus exige uma dupla direção. A primeira é como ouvimos a Galileia. Em Israel, a Galileia era considerada como a porta que se abre para o mundo dos pagãos.

E na realidade precisamente na Galileia, no monte, os discípulos vêem Jesus, o Senhor, que lhes diz: "Ide... fazei discípulos de todos os povos" (Mt 28, 19). A outra direção do preceder, por parte do Ressuscitado, aparece no Evangelho de São João, nas palavras de Jesus a Madalena: "Não me detenhas, pois ainda não subi para o Pai..." (Jo 20, 17). Jesus precede-nos junto do Pai, eleva-se à altura de Deus e convida-nos a segui-lo. Estas duas direções do caminho do Ressuscitado não se contradizem, mas indicam ao mesmo tempo o caminho do seguimento de Cristo. A verdadeira meta do nosso caminho é a comunhão com Deus o próprio Deus é a casa com muitas moradas (cf. Jo 14, 2s.). Mas só podemos subir a esta morada indo "em direção à Galileia" indo pelos caminhos do mundo, levando o Evangelho a todas as nações, levando o dom do seu amor aos homens de todos os tempos. Por isso o caminho dos apóstolos prolongou-se até aos "confins da terra" (cf. Act 1, 6s.); assim São Pedro e São Paulo foram até Roma, cidade que na época era o centro do mundo conhecido, verdadeira "caput mundi".

A procissão da Quinta-Feira Santa acompanhou Jesus na sua solidão, rumo à "via crucis". A procissão de Corpus Christi, ao contrário, responde de maneira simbólica ao mandamento do Ressuscitado: precedo-vos na Galileia. Ide até aos confins do mundo, levai o Evangelho a todas as nações. Sem dúvida, para a fé, a Eucaristia é um mistério de intimidade. O Senhor instituiu o Sacramento no Cenáculo, circundado pela sua nova família, pelos doze apóstolos, prefiguração e antecipação da Igreja de todos os tempos. Por isso, na liturgia da Igreja antiga, a distribuição da sagrada comunhão era introduzida com as palavras: Sancta sanctis o dom sagrado destina-se aos que são tornados santos. Deste modo, respondia-se à admoestação dirigida por São Paulo aos Corintios: "Portanto, examine-se cada um a si próprio e só então coma deste pão e beba deste vinho..." (1 Cor 11, 28).

Contudo, desta intimidade, que é dom muito pessoal do Senhor, a força do sacramento da Eucaristia vai além das paredes das nossas Igrejas. Neste Sacramento, o Senhor está sempre a caminho no mundo. Este aspecto universal da presença eucarística sobressai na procissão da nossa festa. Nós levamos Cristo, presente na figura do pão, pelas estradas da nossa cidade. Nós confiamos estas estradas, estas casas a nossa vida quotidiana à sua bondade. Que as nossas estradas sejam de Jesus! Que as nossas casas sejam para Ele e com Ele! A nossa vida de todos os dias estejam penetradas da sua presença. Com este gesto, colocamos sob o seu olhar os sofrimentos dos doentes, a solidão dos jovens e dos idosos, as tentações, os receios toda a nossa vida. A procissão pretende ser uma bênção grande e pública para a nossa cidade: Cristo é, em pessoa, a bênção divina para o mundo o raio da sua bênção abranja todos nós!

Na procissão de Corpus Christi, acompanhamos o Ressuscitado no seu caminho pelo mundo inteiro como dissemos. E, precisamente fazendo isto, respondemos também ao seu mandamento: "Tomai e comei... Bebei todos" (Mt 26, 26s.). Não se pode "comer" o Ressuscitado, presente na figura do pão, como um simples bocado de pão. Comer este pão é comunicar, é entrar em comunhão com a pessoa do Senhor vivo. Esta comunhão, este ato de "comer", é realmente um encontro entre duas pessoas, é deixar-se penetrar pela vida d'Aquele que é o Senhor, d'Aquele que é o meu Criador e Redentor. A finalidade desta comunhão, deste comer, é a assimilação da minha vida à sua, a minha transformação e conformação com Aquele que é Amor vivo. Por isso, esta comunhão exige a adoração, requer a vontade de seguir Cristo, de seguir Aquele que nos precede. Por isso, a adoração e a procissão fazem parte de um único gesto de comunhão; respondem ao seu mandamento: "Tomai e comei".

A nossa procissão termina diante da Basílica de Santa Maria Maior, no encontro com Nossa Senhora, chamada pelo querido Papa João Paulo II "Mulher eucarística". Verdadeiramente Maria, a Mãe do Senhor, ensina-nos o que significa entrar em comunhão com Cristo: Maria ofereceu a própria carne, o próprio sangue a Jesus e tornou-se tenda viva do Verbo, deixando-se penetrar no corpo e no espírito pela sua presença. Pedimos a Ela, nossa santa Mãe, para que nos ajude a abrir, cada vez mais, todo o nosso estar na presença de Cristo; para que nos ajude a segui-lo fielmente, dia após dia, pelos caminhos da nossa vida. Amém!

Fonte: www.vatican.va